Resenha: Poemas Escolhidos de Gregório de Matos
A resenha/reportagem abaixo, em versão menor, foi publicada na edição deste sábado do Caderno 2+, de A TARDE, onde sou colaboradora. Aqui para o blog, trago a versão integral do texto, já que por essas bandas virtuais, não sofro a limitação do espaço em papel. Já conhecem a regra: Divirtam-se!
Boca do Inferno revisitado
Companhia das Letras relança coletânea de poemas de Gregório de Matos reunidos por José Miguel Wisnik em 1975
*Andreia Santana
Em tempos de eleição e de denúncias sobre corrupção nos bastidores da política nacional, ler os versos do bardo Gregório de Matos, poeta satírico nascido na Bahia, no século XVII, é sempre uma oportunidade de descobrir, ou lembrar, que seu trabalho continua desconcertante e atual. Se trocarmos os nomes dos governantes da época colonial para seus herdeiros no poder três séculos depois, sem grande esforço, dá para especular até que o “Boca do Inferno” era um profeta. Ou então, que a história do Brasil, para o bem e para o mal, gira em círculos infinitos.
A verdade é que Gregório não cai de moda. Prova disso é que a editora Companhia das Letras acaba de resgatar uma coletânea do autor que este ano completa 35 anos do primeiro lançamento. Trata-se do livro Poemas Escolhidos de Gregório de Matos, organizado por José Miguel Wisnik, em 1975, e na época lançado pela Cultrix, e que agora em julho, chegou ao mercado editorial com organização e revisão do próprio Wisnik.
Ao longo das 360 páginas do livro, Wisnik não apenas reproduz os melhores versos apócrafos atribuídos à lavra gregoriana, mas em notas de rodapé muito bem embasadas, lança luz sobre fatos, nomes, datas e expressões do português arcaico usadas pelo bardo setecentista. Para quem nunca teve contato com a obra do autor, nem nas aulas sobre poesia satírica no Ensino Médio, a publicação funciona como boa introdução não apenas aos poemas de Gregório de Matos, mas a todo um período histórico e social retratado por seus versos de escárnio e de amor.
Wisnik também assina o prefácio do volume, onde além de traçar um esboço biográfico do poeta, explica o processo de seleção dos poemas que compõem a obra. A alusão – ou provocação – ao fato de que ainda não existe na história da literatura brasileira uma edição crítica da obra de Gregório de Matos, a mesma feita 35 anos atrás quando da primeira publicação dos Poemas Escolhidos, demonstra ainda que, embora não caia de moda, o “Boca de Brasa” não tem sido valorizado como merece.
Língua ferina – Taxado de pornográfico por uns, de ressentido por outros e de gênio por terceiros, Gregório de Matos usou e abusou da poesia para desancar desafetos e cantar os males da administração colonial. Mas não fez só isso. Na pudica sociedade do século XVII, revelou segredos de alcova com picardia e praticou o amor cortês, herança do cancioneiro da Europa medieval. Na produção atribuída ao autor, não falta ainda a poesia sacra, revelando seu lado de homem religioso e contraditoriamente barroco.
A rima precisa e a ironia ora escrachada, ora sutil de seus versos chamam atenção de imediato de quem se propõe a passear pelos Poemas Escolhidos. Para facilitar a vida dos leitores, Wisnik divide o livro em Poesia de Circunstância: Satírica e Encomiástica (de louvação), Poesia Amorosa Lírica e Erótico-Irônica; e por fim Poesia Religiosa.
A partir dessa divisão fica mais fácil perceber as idiossincrasias da personalidade do “Boca de Brasa”: apesar de escrever poesia erótica, mantinha opiniões conservadoras e preconceituosas em diversos temas, sobretudo a homossexualidade. Mesmo cobrando progresso para a Bahia “madrasta de seus filhos”, mantinha-se preso a exigências de respeito à casta dos bem-nascidos (nobreza da qual fazia parte) e um desprezo pelos brancos da terra – nascidos no Brasil -, negros, índios e mestiços.
No entanto, o mesmo Gregório, filho de senhor de engenho, homem branco, pertencente à elite, formado em universidade européia (Coimbra) possuía seu lado “popular”. A adoção da sátira como forma de expressão e o uso de expressões em tupi e africanas nos seus poemas é prova de que estava sintonizado com as mudanças de seu tempo, embora maldissesse a mistura de raças e a cultura daí resultante.
Os versos sobre Salvador, por exemplo, ou sobre a Cidade da Bahia, como era chamada naquela época, revelam uma relação ora de enternecido amor, ora de ódio da então capital da Colônia. A raiva tanto vinha do abandono que sucessivos governos corruptos legaram à cidade quanto do ressentimento de classe. Principalmente com a crise da economia açucareira, ascensão dos comerciantes “sem berço” e, consequentemente, a bancarrota dos senhores de engenho.
Poesia apócrifa – O grande problema para publicar Gregório de Matos advém do fato de que o poeta, de próprio punho, nunca assinou ou publicou nenhum verso. Sua poesia é considerada apócrifa (sem comprovação de autoria) e está registrada em códices, ou seja, livretos manuscritos onde admiradores copiavam os versos de Gregório de Matos, que além de satírico de mão cheia, teria sido também violeiro e repentista dos mais profícuos.
Na seleção para os Poemas Escolhidos, José Miguel Wisnik optou por utilizar como base uma edição das Obras Completas feita pela Academia Brasileira de Letras, em 1933, e também cita diferenças em alguns versos, apontadas por outra edição de obras completas feita por James Amado, em 1968. A primeira tentativa de catalogar a obra de Gregório, porém, teria sido feita em 1882 (no século XIX), por Alfredo Vale Cabral, que morreu antes de concluir o intento.
Na Bahia, outro profundo estudioso e conhecedor da obra do Boca do Inferno é o escritor e professor da UFBA, Fernando da Rocha Peres. Além disso, em 1983, Pedro Calmon publicou uma biografia do autor, usando como base de pesquisa os próprios versos de Gregório; enquanto a escritora Ana Miranda romanceou a vida do poeta em Boca do Inferno, de 1989.
Quem foi Gregório de Matos?
Gregório de Matos e Guerra era o caçula de três homens, filhos de abastada família baiana ligada a cultura açucareira. Teria nascido em dezembro de 1633. Há quem registre 1936, conforme relata o próprio Wisnik no prefácio das Poesias Escolhidas. Aos 14 anos, viajou da Bahia para Lisboa, onde concluiu os primeiros estudos, rumando depois para a famosa Universidade de Coimbra, onde estudou Direito Canônico. Em Portugal, depois de formado, exerceu importantes cargos na magistratura e só voltou para Salvador em 1683, para exercer cargos importantes no clero: Desembargador da Relação Eclesiástica da Bahia e tesoureiro-mor da Sé Primacial do Brasil. Tido como intratável, acabou brigando com o arcebispo, por se recusar a vestir roupas sacerdotais obrigatórias para os cargos. Com uma vida envolta em mistérios e com vários mitos em torno do seu nome, Gregório teria até entrado na mira da Inquisição, mas escapou graças ao prestigio da família. Tinha também fama de mulherengo, esbanjador e boêmio incorrigível.
Boca do Inferno revisitado
Companhia das Letras relança coletânea de poemas de Gregório de Matos reunidos por José Miguel Wisnik em 1975
*Andreia Santana
Em tempos de eleição e de denúncias sobre corrupção nos bastidores da política nacional, ler os versos do bardo Gregório de Matos, poeta satírico nascido na Bahia, no século XVII, é sempre uma oportunidade de descobrir, ou lembrar, que seu trabalho continua desconcertante e atual. Se trocarmos os nomes dos governantes da época colonial para seus herdeiros no poder três séculos depois, sem grande esforço, dá para especular até que o “Boca do Inferno” era um profeta. Ou então, que a história do Brasil, para o bem e para o mal, gira em círculos infinitos.
A verdade é que Gregório não cai de moda. Prova disso é que a editora Companhia das Letras acaba de resgatar uma coletânea do autor que este ano completa 35 anos do primeiro lançamento. Trata-se do livro Poemas Escolhidos de Gregório de Matos, organizado por José Miguel Wisnik, em 1975, e na época lançado pela Cultrix, e que agora em julho, chegou ao mercado editorial com organização e revisão do próprio Wisnik.
Ao longo das 360 páginas do livro, Wisnik não apenas reproduz os melhores versos apócrafos atribuídos à lavra gregoriana, mas em notas de rodapé muito bem embasadas, lança luz sobre fatos, nomes, datas e expressões do português arcaico usadas pelo bardo setecentista. Para quem nunca teve contato com a obra do autor, nem nas aulas sobre poesia satírica no Ensino Médio, a publicação funciona como boa introdução não apenas aos poemas de Gregório de Matos, mas a todo um período histórico e social retratado por seus versos de escárnio e de amor.
Wisnik também assina o prefácio do volume, onde além de traçar um esboço biográfico do poeta, explica o processo de seleção dos poemas que compõem a obra. A alusão – ou provocação – ao fato de que ainda não existe na história da literatura brasileira uma edição crítica da obra de Gregório de Matos, a mesma feita 35 anos atrás quando da primeira publicação dos Poemas Escolhidos, demonstra ainda que, embora não caia de moda, o “Boca de Brasa” não tem sido valorizado como merece.
Língua ferina – Taxado de pornográfico por uns, de ressentido por outros e de gênio por terceiros, Gregório de Matos usou e abusou da poesia para desancar desafetos e cantar os males da administração colonial. Mas não fez só isso. Na pudica sociedade do século XVII, revelou segredos de alcova com picardia e praticou o amor cortês, herança do cancioneiro da Europa medieval. Na produção atribuída ao autor, não falta ainda a poesia sacra, revelando seu lado de homem religioso e contraditoriamente barroco.
A rima precisa e a ironia ora escrachada, ora sutil de seus versos chamam atenção de imediato de quem se propõe a passear pelos Poemas Escolhidos. Para facilitar a vida dos leitores, Wisnik divide o livro em Poesia de Circunstância: Satírica e Encomiástica (de louvação), Poesia Amorosa Lírica e Erótico-Irônica; e por fim Poesia Religiosa.
A partir dessa divisão fica mais fácil perceber as idiossincrasias da personalidade do “Boca de Brasa”: apesar de escrever poesia erótica, mantinha opiniões conservadoras e preconceituosas em diversos temas, sobretudo a homossexualidade. Mesmo cobrando progresso para a Bahia “madrasta de seus filhos”, mantinha-se preso a exigências de respeito à casta dos bem-nascidos (nobreza da qual fazia parte) e um desprezo pelos brancos da terra – nascidos no Brasil -, negros, índios e mestiços.
No entanto, o mesmo Gregório, filho de senhor de engenho, homem branco, pertencente à elite, formado em universidade européia (Coimbra) possuía seu lado “popular”. A adoção da sátira como forma de expressão e o uso de expressões em tupi e africanas nos seus poemas é prova de que estava sintonizado com as mudanças de seu tempo, embora maldissesse a mistura de raças e a cultura daí resultante.
Os versos sobre Salvador, por exemplo, ou sobre a Cidade da Bahia, como era chamada naquela época, revelam uma relação ora de enternecido amor, ora de ódio da então capital da Colônia. A raiva tanto vinha do abandono que sucessivos governos corruptos legaram à cidade quanto do ressentimento de classe. Principalmente com a crise da economia açucareira, ascensão dos comerciantes “sem berço” e, consequentemente, a bancarrota dos senhores de engenho.
Poesia apócrifa – O grande problema para publicar Gregório de Matos advém do fato de que o poeta, de próprio punho, nunca assinou ou publicou nenhum verso. Sua poesia é considerada apócrifa (sem comprovação de autoria) e está registrada em códices, ou seja, livretos manuscritos onde admiradores copiavam os versos de Gregório de Matos, que além de satírico de mão cheia, teria sido também violeiro e repentista dos mais profícuos.
Na seleção para os Poemas Escolhidos, José Miguel Wisnik optou por utilizar como base uma edição das Obras Completas feita pela Academia Brasileira de Letras, em 1933, e também cita diferenças em alguns versos, apontadas por outra edição de obras completas feita por James Amado, em 1968. A primeira tentativa de catalogar a obra de Gregório, porém, teria sido feita em 1882 (no século XIX), por Alfredo Vale Cabral, que morreu antes de concluir o intento.
Na Bahia, outro profundo estudioso e conhecedor da obra do Boca do Inferno é o escritor e professor da UFBA, Fernando da Rocha Peres. Além disso, em 1983, Pedro Calmon publicou uma biografia do autor, usando como base de pesquisa os próprios versos de Gregório; enquanto a escritora Ana Miranda romanceou a vida do poeta em Boca do Inferno, de 1989.
Quem foi Gregório de Matos?
Gregório de Matos e Guerra era o caçula de três homens, filhos de abastada família baiana ligada a cultura açucareira. Teria nascido em dezembro de 1633. Há quem registre 1936, conforme relata o próprio Wisnik no prefácio das Poesias Escolhidas. Aos 14 anos, viajou da Bahia para Lisboa, onde concluiu os primeiros estudos, rumando depois para a famosa Universidade de Coimbra, onde estudou Direito Canônico. Em Portugal, depois de formado, exerceu importantes cargos na magistratura e só voltou para Salvador em 1683, para exercer cargos importantes no clero: Desembargador da Relação Eclesiástica da Bahia e tesoureiro-mor da Sé Primacial do Brasil. Tido como intratável, acabou brigando com o arcebispo, por se recusar a vestir roupas sacerdotais obrigatórias para os cargos. Com uma vida envolta em mistérios e com vários mitos em torno do seu nome, Gregório teria até entrado na mira da Inquisição, mas escapou graças ao prestigio da família. Tinha também fama de mulherengo, esbanjador e boêmio incorrigível.
Poesias de Gregorio do Matos
Inconstancia das coisas do mundo!
Nasce o Sol e não dura mais que um dia,
Depois da Luz se segue a noite escura,
Em tristes sombras morre a formosura,
Em contínuas tritezas e alegria.
Porém, se acaba o Sol, por que nascia?
Se é tão formosa a Luz, por que não dura?
Como a beleza assim se transfigura?
Como o gosto da pena assim se fia?
Mas no Sol, e na Luz falta a firmesa,
Na formosura não se dê constancia,
E na alegria sinta-se a triteza,
Começa o mundo enfim pela ignorância,
E tem qualquer dos bens por natureza.
A firmeza somente na incostância.
Gregório de MatosNasce o Sol e não dura mais que um dia,
Depois da Luz se segue a noite escura,
Em tristes sombras morre a formosura,
Em contínuas tritezas e alegria.
Porém, se acaba o Sol, por que nascia?
Se é tão formosa a Luz, por que não dura?
Como a beleza assim se transfigura?
Como o gosto da pena assim se fia?
Mas no Sol, e na Luz falta a firmesa,
Na formosura não se dê constancia,
E na alegria sinta-se a triteza,
Começa o mundo enfim pela ignorância,
E tem qualquer dos bens por natureza.
A firmeza somente na incostância.
O todo sem a parte não é todo;
A parte sem o todo não é parte;
Mas se a parte o faz todo sendo parte,
Não se diga que é parte, sendo todo.
Gregório de Matos GuerraA parte sem o todo não é parte;
Mas se a parte o faz todo sendo parte,
Não se diga que é parte, sendo todo.
Mandai-me Senhores, hoje
que em breves rasgos descreva
do Amor a ilustre prosápia,
e de Cupido as proezas.
Dizem que de clara escuma,
dizem que do mar nascera,
que pegam debaixo d’água
as armas que o amor carrega.
O arco talvez de pipa,
a seta talvez esteira,
despido como um maroto,
cego como uma toupeira
E isto é o Amor? É um corno.
Isto é o Cupido? Má peça.
Aconselho que não comprem
Ainda que lhe achem venda
O amor é finalmente
um embaraço de pernas,
uma união de barrigas,
um breve tremor de artérias
Uma confusão de bocas,
uma batalha de veias,
um reboliço de ancas,
quem diz outra coisa é besta.
Gregório de Matosque em breves rasgos descreva
do Amor a ilustre prosápia,
e de Cupido as proezas.
Dizem que de clara escuma,
dizem que do mar nascera,
que pegam debaixo d’água
as armas que o amor carrega.
O arco talvez de pipa,
a seta talvez esteira,
despido como um maroto,
cego como uma toupeira
E isto é o Amor? É um corno.
Isto é o Cupido? Má peça.
Aconselho que não comprem
Ainda que lhe achem venda
O amor é finalmente
um embaraço de pernas,
uma união de barrigas,
um breve tremor de artérias
Uma confusão de bocas,
uma batalha de veias,
um reboliço de ancas,
quem diz outra coisa é besta.
Ó tu do meu amor fiel traslado
Mariposa entre as chamas consumida,
Pois se à força do ardor perdes a vida,
A violência do fogo me há prostrado.
Tu de amante o teu fim hás encontrado,
Essa flama girando apetecida;
Eu girando uma penha endurecida,
No fogo que exalou, morro abrasado.
Ambos de firmes anelando chamas,
Tu a vida deixas, eu a morte imploro
Nas constancias iguais, iguais nas chamas.
Mas ai! que a diferença entre nós choro,
Pois acabando tu ao fogo, que amas,
Eu morro, sem chegar à luz, que adoro.
Gregório de MatosMariposa entre as chamas consumida,
Pois se à força do ardor perdes a vida,
A violência do fogo me há prostrado.
Tu de amante o teu fim hás encontrado,
Essa flama girando apetecida;
Eu girando uma penha endurecida,
No fogo que exalou, morro abrasado.
Ambos de firmes anelando chamas,
Tu a vida deixas, eu a morte imploro
Nas constancias iguais, iguais nas chamas.
Mas ai! que a diferença entre nós choro,
Pois acabando tu ao fogo, que amas,
Eu morro, sem chegar à luz, que adoro.
SONETO VII
Ardor em firme coração nascido!
Pranto por belos olhos derramado!
Incêndio em mares de água disfarçado!
Rio de neve em fogo convertido!
Tu, que em um peito abrasas escondido, (*?) Tu, que em ímpeto abrasas escondido,
Tu, que em um rosto corres desatado,
Quando fogo em cristais aprisionado,
Quando cristal em chamas derretido.
Se és fogo como passas brandamente?
Se és neve, como queimas com porfia?
Mas ai! Que andou Amor em ti prudente.
Pois para temperar a tirania,
Como quis, que aqui fosse a neve ardente,
Permitiu, parecesse a chama fria.
Gregório de Matos GuerraArdor em firme coração nascido!
Pranto por belos olhos derramado!
Incêndio em mares de água disfarçado!
Rio de neve em fogo convertido!
Tu, que em um peito abrasas escondido, (*?) Tu, que em ímpeto abrasas escondido,
Tu, que em um rosto corres desatado,
Quando fogo em cristais aprisionado,
Quando cristal em chamas derretido.
Se és fogo como passas brandamente?
Se és neve, como queimas com porfia?
Mas ai! Que andou Amor em ti prudente.
Pois para temperar a tirania,
Como quis, que aqui fosse a neve ardente,
Permitiu, parecesse a chama fria.
“A Jesus Cristo Nosso Senhor”
Pequei, Senhor, mas não porque hei pecado,
Da vossa alta clemência me despido;
Porque, quanto mais tenho delinqüido,
Vós tenho a perdoar mais empenhado.
Se basta a vos irar tanto pecado,
A abrandar-vos sobeja um só gemido:
Que a mesma culpa, que vos há ofendido,
Vos tem para o perdão lisonjeado.
Se uma ovelha perdida e já cobrada
Glória tal e prazer tão repentino
Vos deu, como afirmais na Sacra História,
Eu sou, Senhor, a ovelha desgarrada,
Cobrai-a; e não queirais, Pastor Divino,
Perder na vossa ovelha a vossa glória.
Gregório de MatosPequei, Senhor, mas não porque hei pecado,
Da vossa alta clemência me despido;
Porque, quanto mais tenho delinqüido,
Vós tenho a perdoar mais empenhado.
Se basta a vos irar tanto pecado,
A abrandar-vos sobeja um só gemido:
Que a mesma culpa, que vos há ofendido,
Vos tem para o perdão lisonjeado.
Se uma ovelha perdida e já cobrada
Glória tal e prazer tão repentino
Vos deu, como afirmais na Sacra História,
Eu sou, Senhor, a ovelha desgarrada,
Cobrai-a; e não queirais, Pastor Divino,
Perder na vossa ovelha a vossa glória.
Senhora Dona Bahia
Ninguém vê, ninguém fala, nem impugna,
e é que, quem o dinheiro nos arranca,
nos arranca as mãos, a língua, os olhos."
“Esta mãe universal,
esta célebre Bahia,
que a seus peitos toma, e cria,
os que enjeita Portugal"
"Cansado de vos pregar
cultíssimas profecias,
quero das culteranias
hoje o hábito enforcar:
de que serve arrebentar
por quem de mim não tem mágoa?
verdades direi como água
porque todos entendais,
os ladinos e os boçais,
a Musa praguejadora.
Entendeis-me agora?"
Gregorio de MatosNinguém vê, ninguém fala, nem impugna,
e é que, quem o dinheiro nos arranca,
nos arranca as mãos, a língua, os olhos."
“Esta mãe universal,
esta célebre Bahia,
que a seus peitos toma, e cria,
os que enjeita Portugal"
"Cansado de vos pregar
cultíssimas profecias,
quero das culteranias
hoje o hábito enforcar:
de que serve arrebentar
por quem de mim não tem mágoa?
verdades direi como água
porque todos entendais,
os ladinos e os boçais,
a Musa praguejadora.
Entendeis-me agora?"
Descrevo que era Realmente Naquele Tempo a Cidade da Bahia
A cada canto um grande conselheiro,
que nos quer governar cabana, e vinha,
não sabem governar sua cozinha,
e podem governar o mundo inteiro.
Em cada porta um freqüentado olheiro,
que a vida do vizinho, e da vizinha
pesquisa, escuta, espreita, e esquadrinha,
para a levar à Praça, e ao Terreiro.
Muitos mulatos desavergonhados,
trazidos pelos pés os homens nobres,
posta nas palmas toda a picardia.
Estupendas usuras nos mercados,
todos, os que não furtam, muito pobres,
e eis aqui a cidade da Bahia.
Gregorio de MatosA cada canto um grande conselheiro,
que nos quer governar cabana, e vinha,
não sabem governar sua cozinha,
e podem governar o mundo inteiro.
Em cada porta um freqüentado olheiro,
que a vida do vizinho, e da vizinha
pesquisa, escuta, espreita, e esquadrinha,
para a levar à Praça, e ao Terreiro.
Muitos mulatos desavergonhados,
trazidos pelos pés os homens nobres,
posta nas palmas toda a picardia.
Estupendas usuras nos mercados,
todos, os que não furtam, muito pobres,
e eis aqui a cidade da Bahia.
Falsa gentileza vã,
A quem segue o teu verdor!
Adverte, que se hoje és flor,
Serás caveira amanhã.
Essa beleza louça
Te está mesmo condenando...
.............................
.............................
Se corres, com pano largo,
Trás dos deleites de uma hora,
Vê bem que o que é doce agora
Te há de ser depois amargo.
Desperta desse letargo
Que que os vícios te detêm,
E vive como convém;
Pois se sabes que és mortal,
Olha bem: não morras mal,
Olha bem que vivas bem.
Se a esperar tempo te atreves,
Mal na vida te confias;
Pois são tão curtos os dias,
Quanto as horas são mais breves.
Deixa os gostos vão e leves,
Que tanto estás anelando:
Trata de ir-te aparelhando
Para a morte, e sem demora;
Porque não sabes a hora,
Porque não sabes o quando.
Deixa o mundo os enganos,
Não queiras em tanta lida,
Por breve gostos da vida
Penar por eternos anos.
Gregório de MatosA quem segue o teu verdor!
Adverte, que se hoje és flor,
Serás caveira amanhã.
Essa beleza louça
Te está mesmo condenando...
.............................
.............................
Se corres, com pano largo,
Trás dos deleites de uma hora,
Vê bem que o que é doce agora
Te há de ser depois amargo.
Desperta desse letargo
Que que os vícios te detêm,
E vive como convém;
Pois se sabes que és mortal,
Olha bem: não morras mal,
Olha bem que vivas bem.
Se a esperar tempo te atreves,
Mal na vida te confias;
Pois são tão curtos os dias,
Quanto as horas são mais breves.
Deixa os gostos vão e leves,
Que tanto estás anelando:
Trata de ir-te aparelhando
Para a morte, e sem demora;
Porque não sabes a hora,
Porque não sabes o quando.
Deixa o mundo os enganos,
Não queiras em tanta lida,
Por breve gostos da vida
Penar por eternos anos.
Anjo Bento
Destes que campam no mundo Sem ter engenho profundo
E, entre gabos dos amigos,
Os vemos em papafigos
Sem tempestade, nem vento:
Anjo Bento!
De quem com letras secretas
Tudo o que alcança é por tretas,
Baculejando sem pejo,
Por matar o seu desejo,
Desde a manhã té à tarde:
Deus me guarde!
Do que passeia farfante,
Muito prezado de amante,
Por fora luvas, galões,
Insígnias, armas, bastões,
Por dentro pão bolorento:
Anjo Bento!
Destes beatos fingidos,
Cabisbaixos, encolhidos,
Por dentro fatais maganos,
Sendo nas caras uns Janos:
Que fazem do vício alarde:
Deus me guarde!
Que vejamos teso andar
Quem mal sabe engatinhar,
Muito inteiro e presumido,
Ficando o outro abatido
Com maior merecimento:
Anjo Bento!
Destes avaros mofinos,
Que põem na mesa pepinos,
De toda a iguaria isenta,
Com seu limão e pimenta,
Porque diz que o queima e arde:
Deus me guarde!
Gregorio de MatosDestes que campam no mundo Sem ter engenho profundo
E, entre gabos dos amigos,
Os vemos em papafigos
Sem tempestade, nem vento:
Anjo Bento!
De quem com letras secretas
Tudo o que alcança é por tretas,
Baculejando sem pejo,
Por matar o seu desejo,
Desde a manhã té à tarde:
Deus me guarde!
Do que passeia farfante,
Muito prezado de amante,
Por fora luvas, galões,
Insígnias, armas, bastões,
Por dentro pão bolorento:
Anjo Bento!
Destes beatos fingidos,
Cabisbaixos, encolhidos,
Por dentro fatais maganos,
Sendo nas caras uns Janos:
Que fazem do vício alarde:
Deus me guarde!
Que vejamos teso andar
Quem mal sabe engatinhar,
Muito inteiro e presumido,
Ficando o outro abatido
Com maior merecimento:
Anjo Bento!
Destes avaros mofinos,
Que põem na mesa pepinos,
De toda a iguaria isenta,
Com seu limão e pimenta,
Porque diz que o queima e arde:
Deus me guarde!
As Cousas do mundo
Neste mundo é mais rico o que mais rapa:
Quem mais limpo se faz, tem mais carepa;
Com sua língua, ao nobre o vil decepa:
O velhaco maior sempre tem capa.
Mostra o patife da nobreza o mapa:
Quem tem mão de agarrar, ligeiro trepa;
Quem menos falar pode, mais increpa:
Quem dinheiro tiver, pode ser Papa.
A flor baixa se inculca por tulipa;
Bengala hoje na mão, ontem garlopa,
Mais isento se mostra o que mais chupa.
Para a tropa do trapo vazo a tripa
E mais não igo, porque a Musa topa
Em apa, epa, ipa, opa, upa.
Gregório de MatosNeste mundo é mais rico o que mais rapa:
Quem mais limpo se faz, tem mais carepa;
Com sua língua, ao nobre o vil decepa:
O velhaco maior sempre tem capa.
Mostra o patife da nobreza o mapa:
Quem tem mão de agarrar, ligeiro trepa;
Quem menos falar pode, mais increpa:
Quem dinheiro tiver, pode ser Papa.
A flor baixa se inculca por tulipa;
Bengala hoje na mão, ontem garlopa,
Mais isento se mostra o que mais chupa.
Para a tropa do trapo vazo a tripa
E mais não igo, porque a Musa topa
Em apa, epa, ipa, opa, upa.
AO GOVERNADOR ANTONIO LUIZ
Sal, cal e alho
caiam no teu maldito caralho. Amém.
O fogo de Sodoma e de Gomorra
em cinza te reduzam essa porra. Amém.
Tudo em fogo arda., Tu, e teus filhos, e o Capitão da Guarda
Sal, cal e alho
caiam no teu maldito caralho. Amém.
O fogo de Sodoma e de Gomorra
em cinza te reduzam essa porra. Amém.
Tudo em fogo arda., Tu, e teus filhos, e o Capitão da Guarda
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